PSTU na arquibancada

Para quem torce e luta. Não necessariamente nesta ordem...

1.7.10

Felicitaciones, che ra ‘a*


De Thiago Hasten

Pela primeira vez o Paraguai chega as quartas de final de uma Copa do Mundo. Depois de assegurar o primeiro lugar do grupo F, encabeçado pela Itália, os paraguaios derrotaram o Japão nos pênaltis no jogo mais chato do mundial.

Outro feito inédito foi alcançado. Nunca as seleções latino-americanas chegaram em superioridade numérica nas quartas. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai representando o Novo Mundo, e Alemanha, Espanha e Holanda puxando o Velho Continente. E se Gana tivesse que fechar com um lado, seria com o nosso.

Motivo de piada, sinônimo de contrabando, falsificação e todo tipo de contravenção, o Paraguai em seu íntimo é a expressão de um povo sofrido, oprimido, massacrado pela sua burguesia nacional mesquinha e covarde e pelo imperialismo de rapina.

Possui o menor PIB da América Latina. Apenas Honduras, Haiti, Nicarágua e Santa Lúcia da América Central superam a pobreza dos nossos vizinhos. O Paraguai é um país tomado pela soja. Mais da metade de seu território está ocupado pelo deserto verde. As crianças que vivem nos seus arredores nascem doentes e deformadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.

Por incrível que pareça, no interior do país há várias cidades onde os prefeitos são brasileiros, que usam do português em cadeia nacional sem nenhuma cerimônia, como se estivessem em casa. Tranquilo Favero, brasileiro, conhecido como o “rei da soja”, é dono de milhares de hectares no Paraguai, e foi principal financiador da campanha de Fernado Lugo à presidência.

A espoliação não vem de hoje. Em 1864, a Tríplice Aliança, formada pela Argentina, Uruguai, comandada pelo Brasil e financiado pela Inglaterra, protagonizou o maior conflito armado internacional na América do Sul. O motivo da guerra era muito simples. O Paraguai era o único país independente do continente. Enquanto no Brasil e na Argentina, transformados em neocolônias, importava-se de tudo, no Paraguai se fabricava desde utensílios domésticos até armas e implementos agrícolas. O Paraguai era o único país sem dívida externa e praticamente sem analfabetos. Estava dotado de um respeitável parque industrial, de frota mercante, de telégrafo e estaleiros**.

Pode-se dizer, sem cometer exageros, que a guerra dizimou toda a população masculina paraguaia a partir dos dez anos de idade, destruiu as ferrovias e fábricas e abriu caminho para o imperialismo inglês nascente. As crianças paraguaias, num ato de valentia e heroísmo, pintaram suas caras com carvão para se passar por homens barbados.

Desde então a exploração só se aprofundou. Para quem não sabe a hidrelétrica de Itaipu é binacional e não só dos brasileiros como parece aos olhos de todos. Lula mantém um acordo assinado pela ditadura militar em 1973, que obriga o Paraguai a ceder praticamente de graça seu excedente de energia ao Brasil.

Mas o povo paraguaio é valente. Foi o único país colonizado que impôs o seu idioma ao colonizador. O guarani, ao lado do espanhol, foi reconhecido como língua oficial. Nas ruas, nas praças e nos campos só se fala em guarani. O espanhol é restrito aos círculos da burguesia e à ínfima classe média universitária.

Toda sorte a seleção paraguaia. Que a doçura de seu povo de sorriso fácil e acolhedor, passe confiança aos seus jogadores. Eles vão precisar. Afinal, enfrentarão mais uma vez o dominador espanhol.

*Do guarani, "che ra'a" significa "meu amigo" em português.
**LEÓN, Ronald. A 140 anos do fim da guerra grande: o fim de uma revolução. 2009.


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1 Comentários:

At 6:10 PM, Anonymous Anônimo escreveu:

Até que enfim um ótimo texto neste blog! Parabéns!

 

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